O Heroi do Mensalão

A Justiça brasileira corre perigo: ontem ouvi uma locutora de TV chamar o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, de “heroi do mensalão”.
Entusiasmada, ela acrescentou: “Temido pelos corruptos, o herói do mensalão poderá fazer do STF um verdadeiro palácio da Justiça”. É o que dá entregar o jornalismo de uma rede de TV a uma jovem analista de assuntos jurídicos.
Ação penal 470 é o cognome do mensalão no STF. Porque mensalão não é nome de documento judicial, é nome de novela. Da novela das oito porque agora não há mais novela das oito.
E está ficando cada vez mais emocionante. Veja só que cena:
Depois de mais um bate-boca com Ricardo Lewandovski, o ministro Joaquim Barbosa é elogiado pela comentarista jurídica – essa nova figura que encontramos nas redações – e recriminado por seu colega Marco Aurelio Mello: “Policie suas palavras, ministro.”
Imaginou Hahnemann Guimarâes dizendo isso para Victor Nunes Leal?
Mais tarde, Mello comenta que Joaquim Barbosa vai ser o próximo presidente do STF: “Como é que ele vai coordenar o Tribunal? Coordenar os integrantes? Como é que ele vai se relacionar com os demais Poderes?”
Afinal, o que discutem, no momento, os onze ministros?
Coisas simples, que se ensina no primeiro ano de Direito: a prova.
Não é possível condenar alguém sem estabelecer a materialidade do crime.
Em casos como no de José Dirceu, percebe-se que está faltando o cadáver. Não há confissão. Nem provas materiais. Falta uma gravação, um bilhete, uma foto da reunião em que o ex-ministro deu ordens à quadrilha.
Até as provas testemunhais parecem fracas. Ninguém foi lá contar que recebeu ordem do réu para pagar pelo voto de um mensaleiro.
Mas há dois fatores poderosos
- A vontade de condenar.
- O desejo de absolver.
O STF pode virar escravo de vontades. A fina sensibilidade jurídica, a inteligência e os bons modos de ministros como Orozimbo Nonato e Aliomar Baleeiro vão ficar para os registros históricos.
O criminalista Nabor Bulhões que assessora o STF nesse julgamento, insiste na necessidade de apresentar provas inequívocas para ter uma condenação. Mesmo para crimes de corrupção? Ele diz que sim. “Nos crimes materiais ou de resultado, como a corrupção, é fundamental a prova material. Não basta uma testemunha dizer que uma pessoa exigiu vantagem de outrem e a recebeu. É insuficiente para condenar”.
Isso é Direito. O resto é lobby.
O artigo 386 do Código de Processo Penal diz que o juiz deve absolver quando não houver prova da existência do fato ou quando não existir prova suficiente para condenação. Havendo dúvidas, manda a lei, não pode haver condenação.
O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Nelson Calandra, tem a mesma opinião: “Acusações genéricas e abertas equivalem à quebra de um princípio-base do direito penal. A denúncia tem que descrever qual fato e qual conduta são imputados a cada pessoa.”
Ando preocupado com o excesso de transparência no julgamento da AP 470. Todo dia, a TV Justiça joga seus holofote sobre os ministros e aumenta a pressão que vem de fora.
É bom insistir: o julgamento do mensalão transformou-se com a hiperexposição à mídia. Agora, espectadores escolhem seus preferidos com o mesmo critério adotado nas novelas.
Não vai ser fácil patrocinar direitos e garantias fundamentais em um tribunal povoado por mocinhos e vilões.
Deixe um comentário